terça-feira, 26 de outubro de 2010

Projeto “Cidadania, Direito de Todos” cadastra mais de mil índios em MS


Durante o sábado e domingo, dias 23 e 24 de outubro, teve início o projeto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) “Cidadania, Direito de Todos” na Capital de Mato Grosso do Sul. Com o apoio de diversas instituições locais foi organizada a ação em duas escolas públicas para garantir o acesso a documentos como RG e CPF aos indígenas que vivem em aldeias urbanas de Campo Grande e região.

Ao todo, foram cadastrados 1.070 índios. Nos dois dias da ação, seis salas de atendimento foram disponibilizadas para cada documento ou modalidade de serviço. A Fundação Nacional do Índio (Funai) atendeu 220 pessoas em busca do Rani (Registro Administrativo de Nascimento de Índio). Outros 258 indígenas buscaram os serviços dos cartórios de registro civil para obtenção da Certidão de Nascimento.

Nos dois dias foram também emitidos 217 CPFs e 216 RGs, além de 78 Carteiras de Trabalho e outros 73 atendimentos realizados pela Defensoria Pública. Os índios que não conseguiram emitir seus documentos no dia serão atendidos numa segunda fase do projeto programada para ocorrer no início de 2011.


O juiz auxiliar do CNJ, Daniel Issler, esteve em Campo Grande acompanhando os trabalhos. O magistrado destacou que nos documentos constam a aldeia e etnia de cada um, ou seja, a ação buscou garantir a manutenção da identidade cultural e social do povo indígena. Além de Daniel Issler, estiveram nos locais de atendimento o juiz auxiliar do CNJ, Sidmar Dias Martins, o Corregedor-Geral de Justiça do TJMS, Des. Josué de Oliveira e o juiz auxiliar da Corregedoria, Ruy Celso Barbosa Florence.

Durante as atividades, os juízes auxiliares reuniram-se com lideranças indígenas e caciques locais para esclarecer a intenção do projeto, pois havia uma certa preocupação das aldeias de que o registro civil poderia prejudicar a luta pela posse de terras indígenas. Entretanto, Daniel Issler assegurou aos presentes que esse risco não existe e que não há motivo para esse temor.

O magistrado destacou ainda que o piloto foi lançado em Campo Grande porque, além de haver uma demanda pelo serviço, também havia uma logística favorável para a execução do projeto que realizou o deslocamento de habitantes de aldeias próximas da Capital para as duas escolas onde aconteceram os atendimentos. A partir da experiência em MS, acrescentou o juiz, o projeto se fortalece para ser implantado em outras regiões do país, mantendo o foco de garantir acesso à documentação civil aos indígenas que habitam as zonas urbanas, os quais enfrentam dificuldades pela falta desses documentos.

O Cacique Alviçore Gonçalves, de Aquidauana, afirma que o acesso a esses documentos inclui o índio como cidadão brasileiro nato, uma busca incessante nesses mais de 500 anos de história, porque essa exclusão do rol de cidadãos “feria nossa moral”. O cacique observa que é importante essa proximidade do poder público com o povo indígena, passando orientações e se aproximando cada vez mais do índio, e é isso o que ele espera das autoridades, “não uma segregação ou atrito e sim uma aproximação”, ressalta.

O segurança particular Evandil buscou atendimento para tirar seu CPF e RG. Ele, até então, possuía apenas certidão de nascimento e carteira de trabalho e aproveitou para ter acesso aos outros documentos, pois, “caso haja necessidade de trocar de serviço”, afirma, sem o RG e o CPF ele poderia acabar perdendo algumas oportunidades.

O Policial Militar Luis Gonçalo é integrante da associação dos indígenas que habitam a região urbana de Aquidauana. Para ele, a ação do CNJ é de grande importância, pois permitirá que o índio seja reconhecido como cidadão. O indígena afirma que hoje muitos órgãos públicos não aceitam o Rani como documento oficial. Então, agora não haverá mais esta discriminação, acrescenta, “com esse novo entendimento de que o indígena pode ter acesso aos registros civis como qualquer outro brasileiro”, conclui.

O indígena Nerivaldo Gregório, acadêmico do último ano de Agronomia, é presidente da associação dos acadêmicos indígenas da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Ele e outros 30 índios são alunos dos cursos de Agronomia, Zootecnia e Engenharia Florestal. A maioria deles é da etnia Terena, com exceção de um acadêmico Guarani e um Kadiwéu.

Nerivaldo afirma que os anciãos de sua aldeia, os quais apenas se comunicam na língua terena, estavam apreensivos quanto ao projeto, pois não sabiam qual o intuito desse movimento de fornecer os documentos civis aos índios. Ele, então, veio conferir de perto as atividades do projeto para verificar qual o objetivo da ação, pois muitos carregam o receio de que ao tirar os documentos e se tornar um cidadão brasileiro legalizado, implicaria a perda dos direitos na luta pelas terras indígenas.

O terena Calisto veio de Miranda no ano de 1995 para Campo Grande, e faz parte das 40 famílias que se instalaram no bairro Tiradentes dando início à aldeia indígena urbana “Marçal de Souza”. No sábado, ele também aproveitou as atividades do projeto Cidadania, Direito de Todos, para retirar alguns documentos que faltavam.

O índio aprovou o modelo do registro civil disponibilizado, o qual mantém a identificação da aldeia e etnia. Ele conta que veio para a cidade para garantir estudo aos filhos, dentre eles, um presta vestibular este ano, um é técnico em enfermagem e outro faz faculdade.

Élcio é presidente do Conselho Municipal de Direitos e Defesas dos Povos Indígenas de Campo Grande e destaca que o movimento de acesso à documentação permitirá que muitos indígenas saiam da sombra da sociedade.

Élcio afirma que a ação prioriza os indígenas que vivem na região urbana, pois eles enfrentam muitas dificuldades pelo fato de não possuírem a documentação básica como RG e CPF. E é importante frisar que “nós não vamos deixar de ser índios por tirar os documentos e registros civis”, destaca o líder indígena.

Organização - A ação foi executada pelo Comitê Gestor Estadual para Erradicação do Sub-registro Civil e acesso à documentação básica. Foram também organizadores e colaboradores do projeto a Corregedoria-Geral de Justiça; Sejusp/Instituto de Identificação Civil; Receita Federal; Caixa Econômica Federal; serventias extrajudiciais; Ministério do Trabalho, Secretaria Estadual do Trabalho e Assistência Social – SETASS; Comitê Estadual e Sub-Registro; Defensoria Pública; Comissão Indígena da OAB/MS; Secretaria de Saúde e de Educação Estaduais; Coordenadoria da Mulher; Funai/MS; Conselho Municipal Indígena; Polícia Militar, Exército Brasileiro e Secretaria Municipal de Educação.

Fonte:Tribunal de Justiça de MS - http://www.tjms.jus.br/noticias/materia.php?cod=18224
Autoria do Texto:Departamento de Jornalismo

Foto: Acervo da CEAI/OAB/MS

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