Por Samia Roges Jordy Barbieri
Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que os índios têm uma importância enorme, por serem os habitantes originários da nossa terra, por terem sido molestados por toda sorte de ganância do homem, por terem sido catequizados, humilhados, colocados à margem da sociedade, e, ainda, por existir tão bravamente, mantendo sua cultura vastíssima.
A história cruel em que vivem os nossos índios pode ser resumida como a marcha inelutável do capitalismo, inicialmente, no século XV e XVI através do mercantilismo, e, posteriormente, pela Revolução Industrial. Inicialmente, o colonizador precisando de um guia, tinha no índio um apoiador para desbravar a mata. Porém, quando o índio não se deixou escravizar passou ao mito do mau selvagem, ou um ser sem Lei, sem Rei e sem alma. Fortes os nossos índios que resistem a tudo, sem esmorecer, ainda com a sua língua e sua identidade cultural, mesmo morando nas cidades, atualmente.
Talvez, por ter sido colocado à margem da formação dos Estados Nacionais e, por ser minoria, são discriminados e excluídos, ainda hoje. No Estado de Mato Grosso do Sul, segundo dados, existe um alto índice de morte por suicídios, por falta do seu habitat natural, e pela demora na demarcação de suas terras.
O resgate dos povos indígenas no âmbito do Direito Internacional, como sujeito de direitos, tem dado uma visibilidade enorme à causa, que conta com lideranças mundiais que vivem para ver o seu povo ter direito ao direito, no caso Direito Indígena. A ONU, os ativistas, os ambientalistas e os observadores da causa, têm sido parceiros do reconhecimento dos direitos dos índios.
As legislações mais importantes no âmbito do direito internacional são a Convenção nº 107/57, substituída pela Convenção n°169/89, e, atualmente, a Declaração Universal dos Povos Indígenas, declarada pela ONU, e naquele ato, ratificada por 143 países. Começa a se delinear uma nova realidade, com muita luta e resistência, mas que já conta com o protagonismo de vários indígenas, que são advogados, antropólogos, educadores, psicólogos, que sabem a importância de se manterem na luta por seu reconhecimento no âmbito da sociedade dita civilizada, mas que não entende o direito alteridade e à diferença, pois apesar do discurso pluralista e democrático, mantém o caráter onipotente não do diálogo, mas do diálogo do mais forte.
O Estado brasileiro deve ter uma solução para uma população de 0,2% da população nacional e que tem demarcada cerca de 10% do território nacional. Esta inércia tem provocado um verdadeiro conflito por interesses tão díspares. O que observamos, atualmente, é a falta de oportunidades para esta parcela da população, já combalida, a exclusão da sociedade capitalista, a criminalização pela falta de entendimento da questão indígena pelo Poder Judiciário, que, muitas vezes, não entende a especificidade deste ramo especial do Direito, ramo do Direito Público, quando em julgamento do líder indígena, negou ao indígena o direito ao intérprete no idioma guarani, por exemplo.
São essas e outras atrocidades cometidas contra os povos indígenas que demandam uma adequação das grades curriculares, por que é preciso e urgente o entendimento da causa indígena, desde os bancos escolares, até à Universidade, como forma de conter o preconceito e a discriminação , frutos do desconhecimento do Direito Indígena. Este ponto é um dos mais importantes, e que estamos debatendo, no âmbito da Comissão Permanente de Assuntos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil, no Mato Grosso do Sul, para travarmos uma discussão nacional sobre a importância do estudo deste ramo especial do Direito, e que seja definido pelo MEC para todas as Universidades do país.
Vários outros questionamentos atuais envolvem o Direito Indígena, como o acesso a recursos naturais e conhecimentos tradicionais, que não tem uma regulamentação definitiva, e vemos a biopirataria a todo instante, no caso da venda de medicamentos, na indústria cosmética, sem o reconhecimento e a consulta livre prévia e informada das populações indígenas. Ao contrário, ao invés de recebermos pela evasão de produtos oriundos dos conhecimentos dos nossos indígenas, ainda pagamos royalties às indústrias farmacêuticas, que levam um conhecimento da medicina ancestral e tradicional indígena, impunemente do nosso país, através de extratos de plantas que viram medicamentos e cosméticos, aliás, com excelente valor de mercado. Cito como exemplos o perfume Chanel n° 5 e o remédio Captropil, para a pressão arterial.
Isso sem falar da Usina de Belo Monte, que não sabemos a quem interessa, pois nem sequer ouviram as populações indígenas, que devem ser ouvidas, segundo a Convenção n° 169 e às normas específicas, sem falar da Constituição Federal de 1988, sobre mais um desastre para o ecossistema, para todos nós, sem contar nas futuras gerações, a quem devemos manter o meio ambiente com sadia qualidade de vida, utilizado de forma sustentável, pois é um bem de todos nós.
Mesmo com este quadro verdadeiro e caótico, devemos acreditar, pois os índios acreditam e resistem, bravamente, assim como devemos resistir , resguardando o traço mais puro da nossa própria história, pela diversidade vastíssima, pela sua cultura, sua língua e vestimenta próprias de cada uma das mais de 200 etnias, suas jóias orgânicas, pelo bem da nossa identidade cultural, pois são os formadores do Estado brasileiro, com muita galhardia, pelo que sofrem e passam nos ensinam a seguir em frente, sem medo do futuro.
Viva o dia 19 e todos os outros, que também devem ser o DIA DO ÍNDIO.
Samia Roges Jordy Barbieri, Mestre e Doutoranda pela Unimes – Universidade Metropolitana de Santos, Procuradora Municipal e Presidente da Primeira Comissão Permanente de Assuntos Indígenas da OAB/MS
Autora da obra: Os direitos constitucionais dos índios e o direito à diferença, face ao Princípio da dignidade da pessoa humana, publicado pela Editora Almedina, Coimbra – Portugal.
Fonte:
20 de Abril de 2011 • 17h48 • atualizado às 18h51 • 31 visualizações
Artigo Publicado em http://solteagravata.com/
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