A partir da promulgação da Carta Constitucional de 1988, o Brasil entrou em outro momento de sua história. Findado o regime militar imposto com o golpe de 1964 e instalado o Estado Democrático de Direito, povos e comunidades etnicamente distintos em relação à sociedade nacional tiveram na Constituição Cidadã a conquista de importantes direitos.
A partir de então, o país passou a se perceber como multiétnico e deixou para trás a perspectiva assimilacionista que até então vigorava na legislação brasileira. Logo, políticas públicas de todo tipo não puderam mais ser concebidas como se a população brasileira fosse algo homogêneo. Exemplos disso estão na saúde e na educação diferenciadas desenvolvidas em muitas comunidades indígenas distribuídas pelo território nacional. Mas nem tudo é tão simples assim. Ter garantias asseguradas na Lei Maior não significa sua imediata aplicação e reconhecimento nos poderes constituídos na República. Por este motivo, movimentos indígenas seguem suas trajetórias de reivindicação de direitos dos mais variados no mundo atual, o que muitas vezes se dá na esfera do judiciário. No caso específico dos municípios sul-mato-grossenses com marcante presença de povos indígenas, como é o caso de Amambai, Caarapó, Dourados e Miranda, alguns avanços têm sido registrados aqui e acolá, embora muito ainda esteja por ser feito.
Neste sentido, recentemente veio de Dois Irmãos do Buriti um exemplo que pode inspirar o legislativo e o executivo de muitas cidades. Lá, a Câmara Municipal aprovou em fins de dezembro de 2010 um projeto de lei que cria a SEMAI – Secretaria Municipal para Assuntos Indígenas, órgão com dotação orçamentária própria e responsável pela definição, aplicação e fiscalização de políticas públicas voltadas para as comunidades indígenas ali existentes.
Esta conquista foi o resultado de um conjunto de fatores, dentre os quais o protagonismo dos Terena da Terra Indígena Buriti, os quais têm um representante na Casa de Leis, e o apoio recebido do prefeito e da Câmara Municipal. Mais que isso, os próprios Terena indicaram os nomes que estarão à frente desta nova pasta, sendo todos indígenas das aldeias existentes no município e portadores de curso superior.
Ao tomar esta iniciativa, Dois Irmãos do Buriti apresenta-se como vanguarda no que se refere à administração pública, pois com uma secretaria desse tipo ficará mais fácil definir, aplicar e fiscalizar as políticas públicas voltadas para as comunidades indígenas, em respeito aos seus usos, costumes e tradições, conforme determina a Carta Magna. Ademais, esta pasta também será responsável pela articulação de convênios interinstitucionais e pela captação de recursos federais através de projetos.
No caso de Dourados, depois de todos os prejuízos políticos registrados nos últimos meses, seria de bom alvitre que o futuro prefeito da cidade seguisse o exemplo que veio de Dois
Irmãos de Buriti e dispensasse mais atenção aos povos indígenas que aqui vivem. A própria Câmara Municipal também poderia tomar a iniciativa de propor um projeto de lei para criar a Secretaria Municipal para Assuntos Indígenas, visto que não se trata de mais um ônus, senão uma oportunidade de planejamento estratégico voltado para o futuro. Ao tomar esta iniciativa, certamente que Dourados voltará a ser manchete na imprensa nacional, mas desta vez de maneira positiva, como um município que respeita os direitos dos povos indígenas e os inclui como protagonistas na história da administração pública.
Fonte:
SÍTIO DOURADOS NEWS, 13.01.2011
Jorge Eremites de Oliveira*
* Doutor em História/Arqueologia pela PUCRS e professor associado da UFGD (eremites@uol.com.br).
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