Ônibus escolar lotado de crianças e adolescentes é atacado com coquetel molotov.
Idoso de 72 anos morre após receber golpes na cabeça e os agressores são absolvidos de homicídio. Criança de 9 anos comete suicídio. Outra, de apenas três, morre em consequência de desnutrição -no país que é um dos celeiros do mundo- e a atenção médica só chega na hora da morte.
Homens armados atacam 125 famílias, queimam suas casas feitas de lona e ferem-nos gravemente. Este último caso, longe de ser o primeiro, mas ocorrido no início deste mês, está sendo tratado pelo Ministério Público Federal como um genocídio.
Tudo isso aconteceu num único Estado, Mato Grosso do Sul. E todas as vítimas da violência foram índios da etnia guarani-kaiowá.
Eis a terrível rotina de desespero e impotência sofrida por essa população, em total abandono em pleno coração do Brasil. Se fatos como os relatados tivessem acontecido com não índios, provocariam comoção nacional, chegariam ao Congresso e gerariam algum plano governamental de urgência. Mas as vítimas em questão não têm vez nem voz, não geram muitos votos.
São só índios, como muitos brasileiros ainda os veem.
Suas desgraças chegaram a virar notícia em alguns jornais. Mas logo foram esquecidas.
A trágica realidade dos guarani-kaiowá tem piorado, até porque é tratada com incrível distanciamento pelos governos e pela sociedade. Centenas vivem em verdadeiros campos de refugiados, em reservas pequenas demais para o tamanho de sua população.
Outras centenas, entre as cercas das fazendas e à beira das estradas, vistos como resquícios indesejados de um Brasil do passado. São tratados como estrangeiros, num verdadeiro apartheid social.
Relatório da Survival Internacional para o Comitê para Eliminação da Discriminação Racial da ONU 2010, com dados de 2005, aponta que 90% deles sobrevivem com cestas básicas. A expectativa de vida é de cerca de 45 anos e o índice de suicício entre eles é 19 vezes mais alto que o nacional.
Os indígenas não estão sendo beneficiados pelo impressionante desenvolvimento do país. A eles deve ser estendido o mesmo empenho que retirou tantos milhões de brasileiros da miséria. E como?
Fazendo-os abandonar sua condição de indígenas? Não. Provendo-lhes terras e condições para suprir sua própria cultura e existência. Terras, há. Riqueza, também. Governo suficientemente capaz, também. O que falta? Empenho? Convicção?
Falta sentido de urgência, compromisso ético e político para estender a eles os clamores por direitos humanos? Ficará vivo algum dos guarani-kaiowá para testemunhar o Brasil potência que se erguerá sobre o fim do seu mundo?
Fonte:
Folha de São Paulo - Opinião
São Paulo, sexta-feira, 16 de setembro de 2011
Marina Silva - escreve as sextas-feiras
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